10/04/2013

Autor do mês - Carlos Rodrigues - "Depois"





Tu disseste que me amavas; Depois partiste.
Eu aceitei, revoltei, engoli e protestei. Tu disseste que me amavas e depois partiste. Tu disseste que me amavas, mas encobriste o teu olhar na escuridão de uns olhos falsos que te defendiam dos fios de sol que te banhavam o rosto e suspiraste. Tu disseste que amavas, mas só no último segundo antes de a porta se fechar em luto e o autocarro partir em fúnebres sinfonias. Tu disseste que me amavas, mas de ti apenas fiquei com memórias amargas.
E vieram os dias e as noites, as nuvens e as chuvas, os fios de luz e as flores, os risos e os calafrios, a alegria e o brilho no olhar, os cabelos ao vento e o teu respirar, uma memória presa ao coração pelos fios do teu riso em mim. Eu aceitei, eu participei, mas tu disseste que me amavas e quebraste as regras do jogo. Era simples, eu e tu, sem complicações nem talões, a alegria dos dias e a companhia das noites, mas no último segundo, a porta fechar e a verdade nos teus lábios a pairar, um último pôr-do-sol… Tu disseste as palavras proibidas, mas mais foi aquilo que ganhaste do que aquilo que perdeste. Subiu-te a sinceridade pela alma acima, cresceu-te a razão na emoção que te bailava no coração, e, ciente que estavas em segurança, pois as portas se iriam fechar e a mim me levar, confessaste o último segredo. E eu gritei no meu silêncio feito lágrimas por cair, arrogância, prepotência, prendam quem este crime acaba de cometer, prendam quem não me permite defender, tornem este ódio numa sentença de prisão para a vida, desde que dessa prisão eu seja o carcereiro, perpetuem esta dor numa maldição e fustiguem-lhe o corpo com as mil chagas que se cravam na minha noção de ser.
Depois, partiste. De costas voltadas para os meus punhos na porta do autocarro, de costas voltadas para o nosso futuro, apenas o passado a ser magia na tua memória e o presente a ser um último a meu lado momento de glória. E sim, sei que sorriste, sei que a malvadez dos teus actos te fez ciente da bondade intrínseca na raiz da tua consciência. E sim, sei que dormiste uma última noite de braços dados ao nosso odor, em protecção pela nossa entrega, em defesa da minha felicidade. Eu protestei, eu argumentei e depois aceitei. Já não era tesouro no teu navio, segredo da tua existência, perfeição da tua essência; era eu e só eu outra vez, fosse lá isso o que fosse, o que queria era que fosse eu e tu, nós. Depois, partiste.
E em cristais de gelo se abriu a minha visão.
E em labaredas eu senti a minha emoção.
Vi-te em cada estilhaço dos meus sonhos, recordei-te em cada passo de dança, elogiei-te em cada existência minha, invejei-te em cada ambição e amei-te em cada emoção que a minha essência logrou conhecer. Um silêncio. Desejei-te em cada toque, suspirei-te em cada lágrima e senti-te em cada fio de cabelo que me caía num lamento por ti. Deslizava pelo rosto, lavado em rugas pelo tempo, dançava pelo corpo desfeito pela sem fim dança ao som da música do tempo, esquece a melodia!, desenhei-te em cada farrapo de nuvem perdido num céu tão eterno como a tua ausência, as nossas mãos dadas numa relva de puro verde. Um bilhete só de ida. Adivinhei-te em cada rasto de luz, chorei-te em cada solidão, esperancei-te em cada menção ao teu nome, mas eras apenas…
Ilusão e soalho de madeira a estalar.
Memória perdida e uma porta de autocarro a fechar.
Um último sorriso, os óculos-de-sol e um aceno em adeus por uma vida que nem sabíamos existir. E de tudo o que criamos ficou o que sonhamos. De tudo o que partilhamos, ficou o que amamos. Tu disseste que me amavas e depois partiste. Porque sabias que só assim me irias salvar de nós, que haveríamos naquele dia de terminar, mas do que sonhamos nunca as nossas almas se iriam afastar. E tudo o que quiseste, num último gesto, foi isso. E tudo o que me ensinaste, nesse último segundo, nesse virar de costas para que eu ficasse ignorante das lágrimas que te sulcavam o rosto em rios de saudades, foi isso. E tudo o que sei, porque me mostraste num toque no rosto e um olhar de veludo a importância de me, do que é mau, libertar, é isso.
Amar.
E ser feliz.
E o comboio da minha vida segue viagem rumo a um futuro feito do meu passado e criado no meu presente…

Sem comentários:

Enviar um comentário

O seu comentário é valioso!
Obrigada pela visita e volte sempre!