30/01/2018

Opinião | A Definição do Amor | Jorge Reis-Sá

Numa pequena cidade portuguesa, Susana sofre um AVC. Os médicos decretam sua morte cerebral ao mesmo tempo que anunciam sua gravidez de doze semanas – causa provável do acidente vascular. Francisco, o marido, começa então o diário do seu luto, que vai de maio a Outubro, porque decidem não interromper a gestação. Francisco falará então do que é viver a morte anunciada, com todas as circunstâncias que o levaram até ali e que diariamente tem de enfrentar. Entre cada um dos meses, uma véspera se anuncia. Cada uma delas é composta por uma carta, cujo conjunto percorre trinta anos da vida de pessoas ligadas intimamente ao casal e vai explicar muito do que agora se passa.

(Pode Conter Spoilers)
Já tinha este livro há algum tempo na estante e sempre que olhava para ele ficava com aquele "bichinho" para o pegar e ler, mas acaba sempre por aparecer outro mais urgente ou, até mesmo, a falta de ânimo para ler um livro com a carga emocional que, eu sabia de antemão este livro teria. Não me enganei. Se por um lado temos a versão de um homem que, do nada, se vê a braços com a futura morte da mulher, também tem de lidar com o facto de que, aquele corpo moribundo da sua mulher, outrora viva e enérgica, carrega também um bebé, fruto do amor que sempre os uniu e ajudou a ultrapassar tudo o que de mau a vida se nos apresenta.
Como disse, este livro carrega um peso emocional muito grande, que só quem é marido, esposa, pai ou mãe, sabe o quanto dói e o quanto custa. Ver a nossa metade prostrada numa cama, ligada a montes de máquinas para manter-se viva enquanto serve de incubadora para um bebé que já vai nascer em situações anómalas e sem muita saúde deverá ser das coisas mais duras e mais terríveis que pode acontecer a alguém.
Francisco nem quer acreditar quando lhe dizem que Susana, a sua esposa, está no hospital ligada às máquinas, entre a vida e a morte. Não quer tomar a decisão de acabar com o sofrimento dela, uma vez que ela está em morte cerebral e, o facto dos médicos lhe darem a notícia de que Susana está grávida, facto que ele desconhecia, dá-lhe aquele motivo, aquela desculpa para prolongar a vida artificialmente assistida de Susana. Não está propriamente viva, mas também não está morta e enquanto há um coração a bater, há sempre a esperança de que algo mude e um milagre aconteça. É a gravidez de Susana que a vai manter "no limbo" durante os cinco meses que faltam de gestação. Não havia garantias de que o corpo de Susana aguentasse ser uma espécie de incubadora até a filha nascer, mas também não se perdia nada em tentar porque, de qualquer modo, Susana estava condenada desde que lhe dera aquele AVC. 
O relato de Maio a Outubro, feito por Francisco, dá-nos a conhecer até alguns parentes mais próximos e que os levaram àquele exacto momento. É também nesse relato que conseguimos perceber como é que alguém pode definhar tanto através do sofrimento contínuo de se saber que aquela pessoa vai morrer e que já até tem uma pré data para isso. Tudo dependia de quando e como a menina resolvesse nascer.
Já li muitos livros na minha vida e em muitos deles conseguimos perceber que se sofre com a perda, mas, Francisco é, de verdade, a tristeza e o sofrimento combinados e aliados. Não vive como deve ser, não pensa como deve ser, nem sequer pelo filho pequenino que deixa, dia após dia, com os avós.
Esse livro e o relato que lemos nele é de um peso emocional quase insuportável e que nos faz pensar e dar valor ao que temos e a quem temos agora, neste exacto momento, porque nunca sabemos quando ficamos sem.
Não dei mais estrelas pelo facto de, por vezes, nos perdermos nos saltos temporais que há no livro, assim como conseguirmos associar personagens que, embora sejam parentes, não entram activamente no relato. Acaba por ser um bocado confuso e só quando voltamos ao Francisco e a Susana é que nos conseguimos situar.
Recomendo!
(Este exemplar foi gentilmente cedido pela Guerra&Paz Editores em troca de uma opinião sincera

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