05/01/2021

Clube do Autor | Romance Vencedor do National Book Award | O Amigo | Sigrid Nunez

Disponível nas Livrarias a 20 de Janeiro

O AMIGO
Romance Vencedor do National Book Award
New York Times Notable Book * Financial Times Best Book * Buzzfeed Best Book

Às vezes, é preciso um animal
para uma pessoa compreender a sua humanidade.

A protagonista desta obra é uma escritora que perde o grande amigo e mentor e se vê forçada a cuidar do seu cão: um enorme dogue alemão. O AMIGO narra a comovente história de amizade que se cria entre uma mulher solitária e um cão traumatizado pela inesperada perda do dono. Para enfrentar a dor, começa a escrever. Ao fazê-lo, reflete sobre a literatura e a arte de escrever, além de relembrar o passado. Enquanto os mais próximos temem que esteja mergulhada numa depressão profunda, a mulher, cada vez mais isolada e obcecada com o bem-estar do cão, recusa-se a separar-se do novo amigo, pois encara esse vínculo como a única hipótese de redenção para ambos.
O AMIGO – distinguido com o National Book Award e um sucesso de vendas internacional – é uma obra singular que combina diferentes géneros e registos. Sigrid Nunez, cujas obras estão traduzidas em mais de vinte línguas, revela neste livro o que significa ser escritor e as diversas formas de amor, incluindo os vínculos que nos ligam aos animais de estimação. Repleto de reflexões literárias, aborda igualmente temas sensíveis como a perda e o luto, o amor e a solidão, a escrita e os laços entre as pessoas e os animais. Com uma prosa elegante e contida, este é um daqueles livros raros que acompanham o leitor para sempre. 

Sobre a Autora
Sigrid Nunez nasceu em Nova Iorque (1951), onde ainda vive. Trabalhou na revista The New York Review of Books e colaborou com publicações conceituadas como The New York Times, The Wall Street Journal, The Paris Review, entre outras. Lecionou nas universidades de Princeton, Columbia e de
Boston. Foi galardoada com vários prémios - Whiting Writer’s Award, Rome Prize in Literature, American Academy of Arts and Letters Award da Fundação Rosenthal - e as suas obras estão traduzidas em mais de vinte línguas. O AMIGO foi o vencedor do National Book Award (2018) e do New York Public Library Best Book Award e foi finalista do International Dublin Literary Award (2020), conquistando a crítica e os leitores por todo o mundo.

O que já se escreveu sobre O AMIGO
«Uma meditação sobre a leitura e a escrita, o amor e a perda. (…)
A escrita de Nunez é iluminada por uma perspicácia, afeto e sabedoria sem par - um verdadeiro prazer.» Financial Times

«Um livro magnífico (…) com uma visão apurada sobre a morte, o luto, a arte e o amor.»
 Wall Street Journal

«Uma exploração cáustica e em muitos momentos comovente do amor, da amizade, da morte, da arte e da literatura.»
The New York Times

«Discretamente brilhante, sóbrio e elegante, O Amigo põe de lado as convencionais noções de enredo. Um livro único.» 
Kirkus

«Um livro íntimo e belo, repleto de sabedoria. Uma meditação inteligente sobre a amizade, o amor, a morte, a solidão e o companheirismo canino.» 
The Economist

«Cativante… Este livro elegante explora ao mesmo tempo as recordações e a mundanidade do quotidiano e reflete como o passado, principalmente em períodos de sofrimento, pode ser mais intenso que o presente.» 
Publishers Weekly

«Um daqueles livros raros que, no fim, deixam uma sensação de paz.» 
Los Angeles Review of Books

Excerto
"Temos de compreender que não podemos esperar con-
solar a nossa dor escrevendo.
Natalia Ginzburg
«My Vocation»

No meio do chão do primeiro quarto está um cão sentado em cima de uma grande arca; tem uns olhos grandes como chávenas de chá, mas não te preocupes.
Hans Christian Andersen
«O Fuzil Mágico»

A pergunta a que qualquer romance está realmente a tentar responder é: «A Vida vale a pena?»
Nicholson Baker
«The Art of Fiction n.o 212»
The Paris Review

UM
Na década de 1980, na Califórnia, um grande número de mulheres cambojanas foi ao médico com a mesma queixa: não viam. Todas elas eram refugiadas de guerra. Antes de fugirem da sua terra natal haviam testemunhado as atrocidades pelas quais o Khmer Vermelho, no poder entre 1975 e 1979, era bem conhecido. Muitas das mulheres tinham sido violadas, torturadas ou seviciadas de uma maneira ou de outra. A maioria presenciara o assassínio de membros da família. Uma mulher, que não voltou a ver o marido nem os três filhos depois de os soldados aparecerem e os levarem, disse que perdera a visão após ter chorado todos os dias durante quatro anos. Não era a única que parecia ter chorado até ficar cega. Outras sofriam de visão turva ou parcial, afirmavam ter dores nos olhos ou ver sombras. 

Os médicos que as examinaram— cerca de uma centena e meia ao todo — não encontraram nada de anormal nos olhos delas. Exames adicionais mostraram que não se passava nada de anormal com os cérebros dessas mulheres. Se estavam a dizer a verdade — e havia quem duvidasse disso, quem achasse que talvez estivessem a fingir, ou porque procuravam atenção, ou porque esperavam receber uma pensão por invalidez —, a única explicação era tratar-se de cegueira psicossomática.

Por outras palavras, as mentes daquelas mulheres, forçadas a assimilar tanto horror e incapazes de continuar a absorvê-lo, conseguiram arranjar maneira de apagar as luzes.Foi isto a última coisa de que tu e eu falámos quando ainda estavas vivo. Depois, apenas o teu e-mail com uma lista de livros que achavas que poderiam ser úteis na minha pesquisa. E porque vivíamos então essa quadra festiva, os teus votos de um feliz Ano Novo. O teu obituário tinha dois erros. A data em que te mudaste de Londres para Nova Iorque: um ano de diferença. E a ortografia do nome de solteira da Mulher Um.

Pequenos erros que foram corrigidos mais tarde, mas que todos sabíamos que te tirariam do sério.
Na tua homenagem póstuma, contudo, ouvi uma coisa que te teria divertido:
«Quem me dera poder rezar.»
«O que é que te impede?»
«Ele.»

Teria, teria. Os mortos vivem no condicional, o tempo verbal do irreal. Mas há também a extraordinária sensação de que te tornaste omnisciente, de que nada que façamos, pensemos ou sintamos te pode ser ocultado.

A sensação extraordinária de que estás a ler estas palavras, de que sabes o que escreverei antes de o passar para o papel. É verdade que, se chorarmos com força suficiente durante tempo suficiente, podemos ficar com a visão turva. Estava deitada, o dia ia a meio, mas continuava na cama. De tanto chorar, ficara com dor de cabeça; há dias que tinha uma dor de cabeça latejante. Levantei-me e fui até à janela. Já era inverno, estava frio junto à janela, fazia corrente de ar. Mas soube-me bem, tal como me soube bem pressionar a testa contra a vidraça gelada. Não parava de pestanejar, mas os meus olhos recusavam-se a desanuviar. Lembrei-me das mulheres que tinham chorado até ficar cegas. Pestanejei e pestanejei, cada vez mais assustada. Foi então que te vi. Vestias o teu blusão castanho de aviador, aquele que te estava apertado — e que te ficava ainda melhor por causa disso — e o teu cabelo era preto e basto e comprido. E foi isso que me fez perceber que só podíamos ter recuado no tempo. E muito. Quase trinta anos. Onde ias tu? A nenhum lado em concreto. Não tinhas um compromisso nem ias fazer um recado. Passeavas simplesmente, com as mãos nos bolsos, saboreando a rua.

Era a tua cena. «Se não caminhar, não posso escrever.» Trabalhavas pela manhã e, em determinada altura, que acabava sempre por chegar, quando te parecia que já não eras capaz de escrever nem mais uma frase, saías e palmilhavas quilómetros. Malditos os dias em que o mau tempo te impedia de o fazer (coisa que raras vezes sucedia, porém, porque nem o frio nem a chuva te incomodavam, só uma tempestade frustrava os teus planos). Quando voltavas, sentavas-te novamente a trabalhar, tentando manter o ritmo que se estabelecera durante a caminhada. E quanto melhor te tivesses saído nisso, melhor escreverias.
«Porque o ritmo é tudo», dizias tu. «As boas frases começam com uma batida.»
Publicaste na Internet um ensaio, «Como Ser um Flâneur», sobre o hábito de passear ociosamente na cidade e o lugar que isso ocupava na cultura literária. Choveram críticas por teres questionado se podia realmente existir a figura da flâneuse. Não acreditavas que fosse possível uma mulher vaguear pelas ruas com o mesmo espírito e atitude de um homem. Uma pedestrianista estaria sujeita a constantes interrupções: olhares, comentários, piropos, apalpadelas. A mulher é educada para estar sempre de guarda levantada: «Este tipo vai demasiado perto de mim?» Será que aquele sujeito vai a segui-la? Como poderia ela descontrair o suficiente para experimentar a perda da noção de si mesma, o prazer de se limitar a ser, que era o ideal da verdadeira flânerie? Concluías que, para as mulheres, o equivalente seria porventura uma ida às compras, especificamente o tipo de perambulação a que as pessoas se dedicam quando não pretendem comprar nada. Não achei que estivesses errado em relação a isto. Conheci várias mulheres que se mentalizam antes de sair de casa, e algumas até que se esforçam por evitar sair. É claro que a mulher só tem de esperar até atingir aquela idade em que se torna invisível e... problema resolvido. 
E repara como usaste a palavra mulheres quando o que na verdade querias dizer era mulheres jovens. Ultimamente, caminho muito, mas não tenho escrito nada. Não cumpri o prazo. Foi-me concedido um adiamento. Também esse prazo eu falhei. O editor acha que finjo que estou doente. Não fui a única a cometer o erro de pensar que, por ser uma coisa da qual falavas muito, jamais a levarias a cabo. E,  afinal de contas, não eras a pessoa mais infeliz que conhecíamos. Não eras o mais deprimido (pensa no G., na D. ou no T. R.). Nem sequer eras, por mais estranho que isso agora soe, o mais suicida.
Em virtude do momento que escolheste, tão perto do início do ano, não será descabido pensar que se tratou de uma resolução de Ano Novo. Uma das vezes em que abordaste o assunto, disseste que o que te impediria de o fazer seriam os teus alunos. Naturalmente, preocupava-te o efeito que um tal exemplo teria neles. Ainda assim, não demos grande importância quando deixaste de dar aulas no ano passado, embora soubéssemos que gostavas de ensinar e que o dinheiro te fazia falta.
Noutra ocasião disseste que, para uma pessoa que alcançou uma certa idade, poderia ser uma decisão racional, uma escolha perfeitamente sensata, uma solução até.Ao contrário de quando uma pessoa jovem se suicida, o que só podia ser um erro. Certa vez, partimos o coco a rir com a tua tirada: «Acho
que preferia que a minha vida desse apenas um conto.» Ficaste fascinado quando o Stevie Smith disse que a Morte é o único deus que tem de vir quando é chamado, e o mesmo aconteceu com as várias maneiras por meio das quais as pessoas disseram que, não fora o suicídio, não teriam conseguido seguir em frente. Em passeio com Samuel Beckett, uma bonita manhã de primavera, um amigo comentou com ele: «Um dia assim tem o condão nos fazer sentir felizes por estarmos vivos, não é?» «Eu não iria tão longe», replicou Beckett. 
E não foste tu que nos contaste que Ted Bundy atendia telefones num centro de prevenção de suicídios?

Ted Bundy.
«Olá. O meu nome é Ted e estou aqui para escutá-lo. Fale comigo.»

A notícia de que iria haver uma homenagem póstuma apanhou-nos de surpresa. A nós, que te ouvíramos dizer que jamais quererias tal coisa, que a mera ideia te repugnava. Terá a Mulher Três decidido simplesmente ignorar este facto? Foi porque não chegaste a pô-lo por escrito? Como a maioria dos suicidas, não deixaste um bilhete. Nunca entendi porque se chama bilhete. Há de haver quem tenha muito para dizer. Em alemão chamam-lhe Abschiedsbrief: carta de despedida. (Melhor.) 
O teu desejo de ser cremado foi respeitado, ao menos, e não houve funeral nem shiv'ah. O obituário realçou o teu ateísmo. Entre a religião e o conhecimento, disse ele, uma pessoa tem de escolher o conhecimento. «Que coisa tão absurda para ser dita por alguém que saiba alguma coisa da história judaica», podia ler-se num comentário.
Mas o choque já tinha passado quando a homenagem teve lugar. As pessoas entretinham-se especulando sobre como seria estarem todas as esposas na mesma sala. Já para não falar das namoradas (todas juntas, rezava a piada, não caberiam numa só divisão). À exceção da apresentação dos slides em loop com a lembrança martirizante da beleza e da juventude perdidas, não foi muito diferente de outros eventos literários. As pessoas falavam de dinheiro, de prémios literários como se fossem indemnizações e da mais recente crítica do tipo morre, autor, morre. O decoro nesta ocasião exigia a ausência de lágrimas. As pessoas aproveitaram a oportunidade para estabelecer contactos e pôr as novidades em dia. Houve cochichos e sacudidelas de cabeça quando a Mulher Dois fez confidências desmesuradas no seu discurso in memoriam (eagora correm rumores de que vai transformá-lo num livro).
A Mulher Três, há que dizê-lo, estava resplandecente, se bem que resplandecesse a frieza de uma faca.(...)"

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